de Jules Massenet
Ópera de Paris Bastille
Duração: 02:03
Cantada em francês
Comédia heroica em cinco atos, apresentada pela primeira vez na Ópera de Monte-Carlo, a 24 de fevereiro de 1910.
Libreto em francês: Henri Cain
Adaptado de Don Quixote, de Miguel de Cervantes, a partir da peça de teatro Le Chevalier de la Longue-Figure de Jacques Le Lorrain.
Maestro: Patrick Fournillier
Diretor: Damiano Michieletto
Orchestra e Coro: Opéra national de Paris
Christian van Horn (Don Quixote, baixo)
Gaëlle Arquez (Dulcineia, mezzo-soprano)
Etienne Dupuis (Sancho Pança, barítono-baixo)
Obcecado pela busca de um amor ideal e apaixonado por Dulcineia, a quem na verdade jamais encontrou, Don Quixote decide lutar para libertá-la de um suposto encantamento lançado por feiticeiros. Acompanhado por seu fiel escudeiro Sancho Pança, ele se envolve em uma série de aventuras extravagantes.
Don Quixote é uma das seis óperas encomendadas a Massenet para a Ópera de Monte-Carlo por seu diretor, Raoul Gunsbourg, que também lhe sugeriu a ideia de adaptar o romance.
Tendo concebido originalmente Don Quixote como uma ópera em três atos, Massenet começa sua composição no verão de 1908 e a termina na primavera de 1909, em um período em que, vítima de reumatismo agudo, ele passa a maior parte do tempo na sua cama. Nessas condições, o trabalho de criação de Don Quixote se torna, segundo suas próprias palavras, “um bálsamo e um alívio”. Para se concentrar nesta nova obra, ele chega a interromper a composição de uma outra ópera, Bacchus.
A estreia mundial de Don Quixote se dá a 24 de fevereiro de 1910, sendo bem recebida pelo público, ainda que a crítica faça objeções quanto à qualidade da adaptação do libreto, julgando que se afastara demasiadamente do original. E, de fato, do exuberante romance de Cervantes, o compositor conservou apenas alguns episódios emblemáticos: o amor de Don Quixote por Dulcineia, seu espírito cavalheiresco que o leva a perseguir malfeitores para recuperar o colar de sua amada, seu combate aos moinhos de vento e sua morte junto a seu criado, Sancho Pança.
Esta última ópera de Jules Massenet volta à cena na Ópera de Paris onde não era apresentada já há 20 anos. Embalada por essa música refinada e comovente, a nova produção do diretor Damiano Michieletto se empenha em revelar a poesia de Don Quixote, mas também o seu sofrimento. Os sentimentos do personagem são o de um homem profundamente solitário, assombrado por suas lembranças.
O papel de Don Quixote foi uma das performances mais notáveis do baixo russo Feódor Chaliapin, para o qual papel foi especialmente concebido. Posteriormente, o personagem só viria a ser interpretado por artistas de grande renome (Nicolaï Ghiaurov, Ruggero Raimondi, Samuel Ramey, José van Dam), colocando assim – em termos de comparação – a referência num patamar altíssimo para novas encenações. Substituindo Ildar Abdrazakov, inicialmente previsto – mas afastado em vista do seu apoio explícito ao presidente russo – dessa vez é Christian Van Horn que encarna o Cavaleiro da Longa Figura.
Durante as duas horas e meia de duração do espetáculo, Christian van Horn é Don Quixote, em toda a sua grandeza e suas fraquezas, sua lúgubre melancolia, seu desespero. O público, plenamente convencido, lhe dedicou um aplauso consagrador.
Presente em cena durante todo o espetáculo, Christian van Horn encarna o papel-título com todas a sutilezas e o refinamento, proporcionando uma credibilidade teatral sobre a qual repousa toda a proposta cênica. Sua voz concentrada e sombria ressoa desde as profundezas do que é um poderoso instrumento e de sua tessitura. Ele mantém uma postura nobre, fazendo com que o “louco sublime” conserve sua dignidade em meio aos acessos de demência.
Porém o que torna essa nova produção da Ópera de Paris absolutamente original é o espetáculo inteligente e perturbador proposto por Damiano Michieletto. A ideia subjacente ao espetáculo é simples, mas poderosa: Don Quixote é aqui um homem ferido por um amor de juventude, ardente, porém frustrado: décadas mais tarde, ele anda em círculos em seu salão, consolado por álcool e remédios, apesar do apoio de seu companheiro Sancho. Ele se sente torturado por seus sonhos de amor impossível e a dor das humilhações às quais foi submetido. A trama se desenrola no cérebro doentio do herói e o diretor utiliza esse conceito para introduzir o elemento do fantástico, fazendo o espectador mergulhar na psique e nas alucinações do personagem. Essa visão, que como seu herói nos presenteia com o imaginário, tem a vantagem de exaltar as qualidades musicais da obra e de dissecar minuciosamente o coração dilacerado do amante desesperado que Don Quixote efetivamente é no libreto.
No fosso da orquestra, Patrick Fournillier (substituindo Mikhail Tatarnikov, previsto inicialmente) faz sua estreia no gênero lírico na Ópera de Paris, onde já havia assinado a direção musical de um balé em 1988, há 36 anos. Resultado: ele é aclamado pelo público já a partir do intervalo. Sob sua batuta, a Orquestra da Ópera Nacional de Paris deslancha com uma atuação tempestuosa, exibindo vigor e majestade já a partir da introdução, e consegue manter o ritmo até o finale do segundo ato, particularmente vigoroso.