Palavra dos curadores

Uma história atemporal

Num contexto pouco favorável à cultura, conseguimos emplacar esta quinta edição do Festival Ópera na Tela graças à perseverança e ao comprometimento de nossos parceiros fiéis. Temos a ousadia de acreditar que para esse fato contribuíram também a qualidade e originalidade do evento, assim como o entusiasmo do seu público.

A exemplo das edições passadas, também neste ano traremos especialmente um artista do canto lírico da Europa: a soprano franco-italiana Nathalie Manfrino se apresentará em vários recitais no Rio de Janeiro, acompanhada pela pianista franco-georgiana Nino Pavlenichvili. Para ajudar a preparar o futuro de jovens artistas e incentivar a formação de novos públicos, continuaremos a realizar a master class animada pelo fiel Raphaël Sikorski, um dos “coach” de ópera mais consagrados de Paris, e a promover varias ações educativas.

E, é claro, como nos anos anteriores, apresentaremos no Parque Lage e em cinemas de todo o Brasil obras de estilo bem variado, originalmente encenadas nos palcos de maior prestígio da cena lírica internacional: Ópera de Paris, Scala de Milão, Gran Liceu de Barcelona, Ópera do Estado de Berlim, Festival de Salzburgo e, pela primeira vez neste ano, Praga, Roma e o Festival de Bayreuth.

Em Praga, o grande Plácido Domingo se transforma em maestro para reger Don Giovanni no teatro onde a obra foi levada ao palco pela primeira vez a 29 de outubro de 1787 sob a batuta do próprio Mozart! Passados 230 anos, Domingo utiliza a partitura original usada na estreia, preservada no Conservatório de Praga, com anotações do punho do compositor. A versão apresentada é também igualmente fiel ao espetáculo montado na época.

Em uma concepção diametralmente oposta, Roma apresenta, nas sublimes Termas de Caracalla, uma Carmen firmemente ancorada na realidade candente da crise da imigração atualmente em curso na fronteira entre o México e os Estados Unidos. Os temas polêmicos da xenofobia, do movimento #MeToo, do poder das mulheres e da violência doméstica são abordados abertamente, sem deixar, contudo, de manter fidelidade à partitura original.

E apresentam-se muitas outras obras que ainda não tinham sido apresentadas no repertório do festival: Andrea Chénier, ópera verista de Umberto Giordano inspirada na história trágica do poeta Chénier durante a Revolução Francesa, que nos convida a refletir a respeito dos ideais de toda revolução, muitas vezes desvirtuados pela crueldade e pelo terror; Don Pasquale, ópera-bufa de Donizetti, com uma encenação digna de um filme de Fellini; uma espetacular Turandot, de Puccini; Bóris Godunov, de Mussorgski, obra bastante shakespeariana da ópera russa, com papel-título interpretado por Ildar Abdrazakov, o baixo de maior renome no momento. E, enfim, uma Tristão e Isolda bastante onírica, encenada no palco mítico de Bayreuth pela bisneta do compositor, Katharina Wagner.

A ópera é “música para ser vista”, uma arte híbrida, reunindo a música, a escrita, a encenação, a dança e – com frequência cada vez maior – a videoarte. Tudo isso faz dela um extraordinário veículo de emoções e de reflexões sobre o mundo. Cada interpretação de uma mesma obra constitui uma visão particular e única, por meio da qual é possível enxergar, de modo sutil ou ostensivo – conforme a linguagem escolhida –, as tendências, os temores e as esperanças do momento. A ópera não é uma arte passadista, muito pelo contrário. A partir de temas universais, ela se reinventa eternamente e continua a nos surpreender a cada nova criação ao nos colocar diante de nossas próprias interrogações.

O Festival Ópera na Tela tem como objetivo estimular o maior número possível de pessoas a descobrir o mais fabuloso gênero de espetáculo inventado pela civilização. Agradecemos, por isso, a todos os parceiros que, a cada ano, nos ajudam a enfrentar esse desafio: MINC, Prefeitura do Rio, EDENRED-TICKET, SOFITEL, EDF Norte Fluminense, BNP PARIBAS, MED RIO, VOLTALIA, instituições, empresas, veículos de mídia e amigos da ópera cujo apoio é, para nós, fundamental. Pela primeira vez, o festival conta com o apoio das Embaixadas da Alemanha, da França e da Itália, o que confirma esse evento como uma vitrine da cultura europeia.

Um agradecimento especial a Patrick Mendes, Gilles Coccoli e Yann des Longchamps, e também a Alain Bourdon, Sandrine Ferdane, Gilberto Ururahy, Robert Klein e Jean-Marc Pouchol.

 

Emmanuelle e Christian Boudier

Diretores do Festival Ópera na Tela