La Bohème

De Giacomo Puccini - Ópera Nacional de Paris

Ópera em quatro atos
Libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa
Cantada em italiano
Encenada pela primeira vez em 1840, Ópera Nacional de Paris – França
Duração: 2h10

Maestro: Gustavo Dudamel
Diretor: Claus Guth
Figurino: Eva Dessecker
Diretor de coro: José Luis Basso
Orquestra e coro da Ópera Nacional de Paris

Nicole Car (Mimi)
Aida Garifullina (Musetta)
Atalla Ayan (Rodolfo)
Artur Ruciński (Marcello)

Inspirado em Scènes de la vie de bohème, de Murger, esta ópera coloca em cena jovens artistas que vivem na penúria e que sonham com outra vida. Puccini nos oferece, por meio da relação entre o poeta Rodolfo e a frágil Mimi, uma história de amor comovente e algumas de suas mais belas páginas no universo da ópera. A montagem dessa nova produção situa o drama em um futuro sem esperança, no qual o amor e a arte se tornam o derradeiro caminho para a transcendência.

Não é em todas as noites que um dos melhores regentes da sua geração faz sua primeira apresentação na Ópera de Paris. É por esse motivo que a estreia desta produção de La bohème é uma dupla novidade. Gustavo Dudamel se mostra mais do que à altura da ocasião. O maestro venezuelano, cujas incursões no repertório lírico não têm sido até agora prioritárias na sua carreira, mas que já havia seduzido com essa mesma obra no Scala, promove uma transformação da Orquestra de Paris que, desde as primeiras notas, mostra-se sob uma luz distinta. Riquezas de cores, tensão e concentração, ao mesmo tempo maleável e contundente nos ataques, com os naipes da orquestra se mostrando ora diáfanos, ora arrebatadores. Sua Bohème transborda de contrastes em seu ritmo, que vai do frenético ao lânguido, nas nuances ou mesmo nos numerosos trechos em que os metais podem sussurrar, nas atmosferas em que o trágico varre a indolência num piscar de olhos. O conjunto revela um sentido inato por parte de Dudamel para a natureza teatral do espetáculo e seu constante respeito pela integridade do palco.

Atalla Ayan, que confere todo o sol de suas origens brasileiras a Rodolfo, mantém seu canto sob uma linha de elegância, atribuindo-lhe com segurança as devidas nuances. Interpreta o papel com precisão e com habilidade vocal, sabendo quando deixar sua voz ser conduzida pelos metais e também dominar esses sutis desajustes que traem a paixão que anima o personagem. Sabe inclusive como amenizar com competência os agudos (sobretudo na “saison des fleurs”) e cresce na voz, carregado pela emoção do personagem, assim como por uma boa técnica de cobertura. Artur Rucinski (Marcello) consegue se impor ao volume e à potência de sua voz, que fazem dele o amigo a um só tempo severo e brincalhão exigido pelo libreto. Aida Garifullina expressa a exuberância de Musetta graças a um timbre saboroso, a uma precisão constante e a um agudo generoso. Ela encarna à perfeição a princesa orgulhosa antes de proporcionar um número sensual num reator transformado em salão de striptease.

A direção criativa assinada por Claus Guth, que transpõe a história para o espaço, com personagens tanto reais como imaginários, oferece uma adaptação inventiva que se mostra eficaz em vários aspectos: o gelo das mansardas harmoniza muito bem com a frieza de uma nave espacial glacial e sem oxigênio, os víveres se transformam em rações vitais para a sobrevivência, o fogo da estufa se transfigura em auroras boreais e em supernovas.

As imagens dessa Solaris operística também são de grande beleza, sobretudo o primeiro quadro, que revela – tendo ao fundo sons incidentais típicos do espaço – o interior imaculado de uma nave vagando sem rumo em meio à paisagem sideral e muda dos astros. A bordo dela estão os protagonistas de Puccini (e de Henri Murger). Quem, antes, era músico e poeta empobrecido, agora ressurge como astronauta “idoso” à deriva. Sem víveres, sem oxigênio, sem esperança: às portas da morte, todos acabarão por vivenciar mais uma vez a história já vivida da sua juventude. Poucas vezes a cena de apresentação inicial da trama foi proposta com um tom tão adequado, com imagens tão precisas, após tantas montagens que abordaram esse trecho como um longo e tedioso prólogo ao reencontro amoroso entre Mimi e Rodolfo.

Vivendo alucinações que tomam a forma de encontros carnais, esses prisioneiros do espaço e do tempo se esforçam para reparar o irreparável – a pane material, o passar dos anos –, acomodando-se no ponto exato em que a “curvatura” do espaço-tempo mental, fusão entre passado e presente, acende furtivamente uma última chama antes do suspiro final. A aparição de Mimi num vestido vermelho, quase sonâmbula, é de uma poesia magnífica. A imagem amada ficará paralisada, o rosto contra uma escotilha, o olhar mergulhado nas improváveis auroras do sol. E então compreendemos tudo, a vela que se apaga, a mão congelada (a “gelida manina”), o canto que perdeu até mesmo a lembrança da razão deste nome, “Mimi”.

Ato I
Na noite de Natal, num sótão em Paris, o poeta Rodolfo e o pintor Marcello enfrentam
o frio queimando um manuscrito de Rodolfo. Chegam o filósofo Colline e dois
meninos, com comida, bebida e charutos. O músico Schaunard vem ostentando
dinheiro e anuncia que todos sairão para comer. O senhorio, Benoit, quer receber o
aluguel, mas é despistado com vinho e conversas sobre mulheres. Ele diz ser um
galanteador, os amigos se fingem chocados e o expulsam. Todos vão ao Café Momus,
menos Rodolfo, que precisa concluir um artigo. Batem na porta, e ele vê uma jovem
precisando acender sua vela. Tossindo muito, ela desmaia e Rodolfo a reanima com
vinho. Ela perde a chave e ele a ajuda a procurá-la no chão. De repente, a “gélida
mãozinha” da visitante toca na dele, e o poeta, comovido, se apresenta. Hesitante,
Mimi diz o seu nome e conta que vive sozinha. Quando os amigos o chamam e pedem
que Rodolfo se apresse, os dois compreendem que se apaixonaram.
Ato II
Numa movimentada rua de Rive Gauche, Rodolfo compra um chapéu vermelho para
Mimi e vai encontrar os amigos no Café Momus. Todos parecem felizes até que
Marcello vê a antiga amante, Musetta, chegar acompanhada de um velho cortejador,
Alcindoro, a quem ela trata com desprezo, e provoca Marcello. Fingindo que lhe dói o
pé, ela manda Alcindoro ir comprar-lhe novos sapatos e cai nos braços de Marcello. O
garçom traz a conta – a qual, escapulindo, eles deixam para Alcinodor.
Ato III
Dois meses depois, Mimi diz a Marcello que deixará o ciumento Rodolfo, Marcello
promete interceder, e Rodolfo confessa que ainda a ama. A tosse e os soluços de Mimi
atraem a sua presença. Cheio de remorso, Rodolfo a conduz até a taberna, onde ela se
despede, triste. Irrompe, então, uma briga entre Marcello e Musetta, e Rodolfo e Mimi
resolvem ficar juntos até a primavera.

Ato IV
Meses depois, no sótão, Rodolfo e Marcello estão tentando esquecer os amores
perdidos, quando Musetta chega com Mimi doente. Para pagar uma visita médica,
Musetta decide vender seus brincos, e Colline, o sobretudo. Tossindo, Mimi diz a
Rodolfo que sempre o amou e adormece. Quando os outros voltam, percebem que ela
morreu. Rodolfo compreende e cai em prantos.


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