Così Fan Tutte

Direção e coreografia: Anne Teresa de Keersmaeker

Exclusivo

Ópera buffa em dois atos de Wolfgang Amadeus Mozart

Libreto de Lorenzo Da Ponte

Cantada em italiano

Ópera Nacional de Paris – 2017

Duração 3h40 com 1 intervalo

Maestro PHILIPPE JORDAN

Direção e Coreografia ANNE TERESA DE KEERSMAEKER

Orquestra e coro da Ópera Nacional de Paris

Classificação indicativa: 12 anos

Cantores(as)                        Bailarinos (as)

JACQUELYN WAGNER   CYNTHIA LOEMIJ:                  Fiordiligi

MICHÈLE LOSIER         SAMANTHA VAN WISSEN       Dorabella

FRÉDÉRIC ANTOUN      JULIEN MONTY                        Ferrando

PHILIPPE SLY              MICHAËL POMERO                     Guglielmo

PAULO SZOT                BOŠTJAN ANTONČIČ                  Don Alfonso

GINGER COSTA-JACKSON   MARIE GOUDOT              Despina

Provocados por Don Alfonso, filósofo velho cínico que não acredita na perenidade do amor, dois jovens irmãos decidem testar a fidelidade das suas amantes. O amor vai infligir a eles uma lição amarga: aqueles que se imaginavam fênix e deusa vão descobrir a fragilidade das paixões e da vaidade dos juramentos.

Estamos em 1790, um ano após a Revolução Francesa, quando Mozart e Da Ponte compõem num só mês, no que será a última colaboração deles, Cosi fan tutte. Criada em Viena em janeiro de 1790, a obra logo seduz o público austríaco, mas o sucesso não tem o efeito esperado. Dia 20 de fevereiro, morre o imperador Joseph II, grande protetor de Mozart, levando ao fechamento de todos os teatros. Cosi não vai sobreviver ao luto nacional e a obra entra numa grande noite.

Essa ópera ficará incompreendida por muito tempo, pois não possui a carga dramática de Don Giovanni, a eficácia teatral de Bodas ou a magia de A Flauta.  Mas é um hino sutil à vida e à liberdade, tipicamente mozartiana, nostálgica e tragicamente leve. Sob pretexto da alegria sempre há uma fratura, uma ferida, que dão à obra uma amargura divina.

Essa duplicidade só poderia inspirar a coreógrafa Anne Teresa De Keersmaeker, que encena aqui o desejo que une e separa os seres, materializando os sobressaltos dos corações através das vibrações dos corpos. Num palco bem despojado, os seis cantores são acompanhados de um dançarino, uma duplicação que durante a obra vai ganhando autonomia. A dança sugere as personalidades, exalta a música, às vezes contradiz o libreto revelando a parte escondida dos sentimentos, e combina sutilmente com a música de Mozart.

Bem escolhidos, os cantores têm a juventude e o entusiasmo que convêm aos seus papéis. A jovem mezzo americana Ginger Costa-Jackson, Despina violenta e irresistível com timbre rico e eloquência cênica, é a revelação da noite. Michèle Losier propõe uma Dorabella picante e curiosamente comovente, com fraseado solto e mezzo sensual e gracioso. Vamos notar particularmente a ária do 2º ato « E amore un ladroncello », na qual as Dorabellas dançam juntas. A soprano Jacquelyn Wagner faz uma Fiordiligi soberba e trágica, com timbre delicado e requintado, bem seguro na ária da bravura Come Scoglio, e um pouquinho mais frágil na, não menos arriscada, Per Pieta.

Entre os senhores, Philippe Sly é um Guglielmo meio inabitual, que cultiva mais uma desenvoltura e uma impertinência de bonitão do que a truculência do cômico da vez; nada forçado na participação, mas um natural constante, para esse barítono que tem uma incrível maleabilidade vocal e física. Frédéric Antoun é um Ferrando comovente que faz com sua voz plena e quente, uma magnífica Aura amorosa segurada no fôlego. Num papel desprovido de verdadeira ária, Paulo Szot também se impõe por sua arte de destilar as palavras com uma voz sonora e sua facilidade como condutor do jogo.

No fim do segundo ato, numa corrida de elétrons livres, os dançarinos reforçam o pânico dos personagens, destacando as hesitações e a volúpia entre o evitar e o atrair os corpos. Quando Dorabella falha diante de Guglielmo (o noivo da sua irmã Fiordiligi), sua sombra dançante se deixa cair no chão e contradiz o ar de júbilo da cantora. Fiordiligi, com temperamento mais reservado, é vivida pela elegante Cynthia Leomij. Quanto mais a intriga e a música avançam, maior a fusão entre elas.  A verticalidade dos gestos delas diminui e a cantora – assim como a dançarina -, em geral termina estonteada, deitada no chão. De onde seu canto se eleva, lindo.

Philippe Jordan rege uma orquestra que sabe ser sensível, brincalhona, severa por vezes, e que ele não hesita em calar de vez em quando para, como diz, « aceitar o vazio ».

Essa nova produção de Cosi fan tutte, com o mais glorioso mérito do esforço de inovação e de audácia sutil, com uma dança contemporânea sempre musical e um valor dramatúrgico muito impactante por às vezes, consegue, com muito poucos artifícios, produzir muita emoção.

Ato I

Don Alfonso ensina dois jovens oficiais do exército, Ferrando e Guglielmo, que não se pode confiar nas mulheres. Indignados, ele se jactam da fidelidade das noivas, as irmãs Dorabella e Fiordiligi. Don Alfonso propõe uma aposta para testar essa fidelidade. Os oficiais aceitam suas condições: nada a dizer às noivas e, durante 24 horas, obedecer suas ordens. Sonhando com o casamento, Fiordiligi e Dorabella admiram os retratos dos noives em medalhões. Don Alfonso traz a notícia de que eles foram convocados. Elas se juntam a ele na despedida dos soldados. Fiordiligi e Dorabella ficam inconsoláveis, mas a criada Despina garante que homens são produto fácil de encontrar. Como parte do teste, Don Alfonso suborna Despina para apresentar dois homens a elas. Disfarçados de albaneses, Ferrando e Guglielmo se atiram aos pés das espantadas irmãs. Fiordiligi proclama sua inabalável fidelidade, e os homens confiam que vencerão a aposta. Mas quando Don Alfonso os manda simular suicídio, as irmãs por fim se mostram preocupadas. Disfarçada de médico, Despina finge curá-los. Para ajudar na recuperação, os dois pedem um beijo – negado.

Ato II

Dorabella sugere à irmã que se divirtam um pouco, e Fiordiligi propõe que ela escolha entre os dois albaneses. Para complicar, fazem uma troca; Dorabella prefere o moreno (Guglielmo) e Fiordiligi, o louro (Ferrando). Don Alfonso e Despina conduzem as duas aos pretendentes “albaneses”. Guglielmo se diz doente de amor, e Dorabella se rende. Fiordiligi rejeita Ferrando, mas logo parece vacilar. Guglielmo se orgulha da fidelidade de Fliordiligi, e Ferrando fica abalado ao saber que Dorabella até jogou fora seu retrato. Por fim, Fiordiligi confessa amar outro homem, mas decide ir ao encontro do noivo na frente de batalha. Ao ouvir isto, Ferrando exige que ela enterre uma espada em seu coração, e também ela cede. Despina anuncia que as irmãs estão prontas para se casar. Os oficiais se queixam a Don Alfonso, que explica que “assim fazem todas”, così fan tutte. O tabelião (mais uma vez Despina) lê o contrato de casamento e, quando as duas mulheres assinam, Don Alfonso anuncia a volta dos noivos. Os “albaneses” desaparecem e retornam com as verdadeiras identidades. Quando mostram os contratos de casamento, as mulheres confessam culpa. Mas, ao serem revelados os disfarces albaneses, elas pedem perdão. Don Alfonso diz aos casais que perdoem e esqueçam, e todos concluem que é melhor rir que chorar.