Sobre o Festival

Finalmente, após o que pareceu uma longa travessia do deserto, tudo indica que nossa vida poderá, aos poucos, retomar o seu curso. Poderemos mais uma vez nos reencontrar, falar uns com os outros, nos abraçar, sair, viajar.
Ao refletir sobre o que acaba de acontecer conosco, uma constatação logo se impõe: durante esses longos meses de confinamento e tristeza, o que nos ajudou a não enlouquecer foram os livros, os filmes, a música. Graças a eles, rimos, choramos, nos comovemos, viajamos, descobrimos outros horizontes. Graças a eles mantivemos nosso vínculo com a humanidade naquilo que ela tem de melhor e mais belo.

E, no entanto, também a cultura quase veio a desaparecer e continua a viver sob risco de morte. Muitos artistas e profissionais se viram de repente sem recursos; teatros foram fechados; cinemas foram à falência – sem terem recebido nenhuma ajuda, pois a cultura, na visão de alguns, não seria algo essencial. Trata-se de um setor inteiro da economia que se encontra hoje ameaçado por essa situação de abandono.

Durante estes meses de isolamento, as óperas na Europa se viram forçadas a interromper suas programações, mas sua tenacidade e criatividade foram estimuladas pela atenção e pelo apoio constantes por parte do poder público. As montagens que apresentamos a vocês este ano foram, em sua maioria, produzidas sem a presença de espectadores. Seu registro em formato audiovisual constituiu, portanto, no principal vetor de acesso ao público. Com muita criatividade, as encenações souberam contornar essas novas limitações e a ausência do público.

Os corais se espalharam pelos camarotes, os cantores e os cenários invadiram o espaço da plateia, como em La Traviata, montada em Roma. E que emoção – combinada a certa dose de tristeza – quando, ao fim das Bodas de Fígaro, em Berlim, Daniel Barenboim e seus músicos se puseram a aplaudir os cantores, e em seguida os cantores passaram a aplaudir os músicos…

O registro audiovisual salvou, portanto, a ópera da Covid. É, por isso, com uma emoção ainda maior que oferecemos a vocês esta programação na tela do festival, instalado ainda este ano mais uma vez no maravilhoso Parque Lage. Agradecemos imensamente à Escola de Artes Visuais, à sua diretora Yole Mendonça e sua equipe, por seu acolhimento e apoio.

Como a cada ano, o festival oferecerá grandes clássicos ao seu querido público: Tosca, Traviata, Fausto, Lucia de Lammermoor… Mas contaremos também com vários títulos nunca antes exibidos no festival, mostrando a que ponto são inesgotáveis os recursos de que dispõe a história da ópera: duas produções magníficas de Berlim, O Cavaleiro da Rosa, de Strauss, e as Bodas de Fígaro, de Mozart; um Parsifal excepcional de Wagner, dirigido à distância por Kirill Serebrennikov (cineasta impedido pelo governo russo de deixar seu país); Adriana Lecouvreur, de Cilea, e a famosa produção parisiense de Les Indes Galantes, de Rameau, dirigida pelo atual enfant terrible do cinema francês, Clèment Cogitore, que pela primeira vez abriu as portas da Opèra Bastille aos dançarinos de hip-hop. A história desta “Tomada da Bastilha” e do making-off de Indes Galantes é contada com muita emoção no imperdível documentário O hip-hop invade a (Ópera) Bastilha, que será disponibilizado ao público brasileiro, via streaming, a partir de 12 de novembro.

O festival irá se debruçar sobre o nascimento do gênero com uma magnífica produção da ópera de Dijon de O Palácio Encantado, de Luigi Rossi, jamais reapresentada desde a sua estreia em… 1642! Foi o maestro argentino Leonardo García Alarcón, grande especialista do barroco, aquele que redescobriu essa partitura na Biblioteca do Vaticano no ano de 2000! Reencontrar uma ópera desaparecida é como descobrir uma pirâmide escondida sob a areia e Alarcón compartilha esta emoção extraordinária numa entrevista publicada em nosso site. Ele também nos concederá a honra de participar de uma videoconferência no dia 21 de novembro com o público do festival.

Para os que não terão o privilégio de comparecer ao Parque Lage, os filmes serão exibidos por vários cinemas em 2022 por todo o Brasil, como, por exemplo, o Cine Theatro Brasil Vallourec, parceiro do festival em Belo Horizonte. E este ano, pela primeira vez, uma boa parte da programação do festival estará disponível gratuitamente, a partir de janeiro de 2022, via streaming, no site operanatela.com.

Apesar de suas dificuldades financeiras, o festival manteve em primeiro plano suas ações de caráter social, em particular a master class de canto lírico, que será animada mais uma vez pelo coach parisiense Raphaël Sikorski e pela pianista Nino Pavlenichvili, além de várias atividades educativas para mostrar ao público jovem que a ópera é uma forma de arte ao seu alcance.

Mesmo que ainda sejam tangíveis as consequências da travessia do deserto que acabamos de viver, o renascimento do festival constitui, sob muitos aspectos, algo como um milagre. Se pôde renascer, isso se deve, antes de mais nada, às leis brasileiras de incentivo à cultura, as quais, mais do que nunca, devem ser defendidas! Nossos agradecimentos ao Ministério do Turismo, ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, à Prefeitura do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal de Cultura.

Estas leis, contudo, de nada adiantariam se as empresas não se utilizassem delas. E, infelizmente, é grande o número de empresas que negligenciam esta responsabilidade social tão importante a elas conferida por essas leis – a de garantir a sobrevivência da cultura no Brasil, a de preservar um mundo no qual os museus, os teatros, os festivais ou o cinema permitam que os espectadores se comovam e reflitam sobre a sua condição humana.

É por este motivo que nos parece tão importante agradecer às empresas que confiaram no nosso projeto, não apenas por serem parceiras do festival, mas, sobretudo, por demonstrarem dessa forma serem empresas “cidadãs” e responsáveis.

Fica aqui, por isso, nosso obrigado e – como bons espectadores de ópera – nosso grito de bravo! às empresas ESSILOR-LUXOTTICA, ENGIE, ACCOR-SOFITEL, LABORATORIOS SERVIER, VALLOUREC, EDENRED, VOLTALIA, AIR FRANCE e ao NAVAL GROUP. Nossos agradecimentos, também, à Embaixada da França, ao Consulado Geral da Alemanha no Rio de Janeiro e às Alianças Francesas, por seu apoio a esta verdadeira celebração da cultura européia, bem como a todas as instituições, empresas, mídias e prestadores de serviço cujo apoio é, para nós, essencial.

Bom festival!