Entrevista do maestro Leonardo García Alarcón


Leonardo García Alarcón: ‘Il Palazzo Incantato’ é o elo perdido na história da ópera e uma metáfora de nossas vidas.

Il Palazzo Incantato, uma ópera desconhecida de Luigi Rossi, foi encenada por Fabrice Murgia na Ópera de Dijon e dirigida por aquele que a redescobriu, o magnífico Leonardo García Alarcón. Uma obra essencial na história da ópera, como o maestro argentino a classifica nessa entrevista. E vem a ser também uma metáfora sobre as nossas vidas, abaladas pela pandemia.

Em novembro de 2020, Leonardo García Alarcón publicava em sua página do Facebook as seguintes linhas:

Na tarde de uma sexta-feira, 22 de setembro de 2000, eu me encontrava na Biblioteca do Vaticano pedindo para ver o manuscrito de Il Palazzo Incantato, de Luigi Rossi (Roma, 1642). A riqueza dessa partitura incomparável não me deu sequer tempo de pedir e me dedicar a qualquer outra partitura. Passei aquela tarde tranquila e inesquecível no Palácio Encantado de Atlante na companhia de uma infinidade de personagens, em torno de Ruggiero, Bradamante, Orlando e Angelica, todos sublimados pela música do grande Luigi Rossi.

O grupo Cappella Mediterranea não existia ainda naquela época. Ontem e hoje (2 e 3 de novembro de 2020), vinte anos depois daquela descoberta que me marcou para sempre, pude ler pela primeira vez a obra inteira na Ópera de Dijon com um elenco integrado por cantoras e cantores fabulosos e em condições ideais: uma partitura, um cravo e as vozes. A emoção é muito forte, levando-nos a acreditar que nós mesmos fomos para um palácio, que é a Ópera, símbolo de uma tenacidade feroz em face da realidade com que nos deparamos.

A seguir, a conversa que mantivemos com ele, no dia 1º de dezembro de 2020, em meio à emoção dos últimos ensaios, e antes da filmagem e gravação do espetáculo:

Ontem foi nosso primeiro ensaio sem público e amanhã será o ensaio geral… Acho que é a primeira vez que esta obra é encenada em sua integridade desde 1642! Então, foi um dia formidável!

É quase o fim de uma aventura ou, pelo menos, o desfecho de um sonho nascido há vinte anos.

Sim, era setembro de 2000. Eu tinha ido à Biblioteca do Vaticano para estudar as partituras de Marco Marazzoli, um extraordinário compositor e colega de Luigi Rossi, de quem já conhecia sua música porque as cantatas compostas por Marazzoli e Rossi foram difundidas por toda a Europa. Em Paris, suas cantatas eram interpretadas nos anos 1630-1640 e eram verdadeiramente apreciadas. Eu só podia pedir aos bibliotecários três obras naquela tarde e pedi
então Il Palazzo Incantato, por curiosidade. Era uma sexta-feira e ao ler esta obra não pude crer nos meus olhos. Jamais teria acreditado que pudesse existir uma ópera de tamanha riqueza depois de L’Orfeo, de Monteverdi. L’Orfeo, de 1607, é realmente a síntese, o clímax absoluto do Renascimento, uma escrita a várias vozes com uma sinfonie em cinco partes, coros com sete vozes. Mas quando a ópera vem a público em 1637, em Veneza, o que se busca é a economia de recursos: montam-se obras num teatro com cinco, seis, oito músicos no máximo…

Mesmo para as óperas de Cavalli?

Ah, sim. Para as óperas de Cavalli havia quatro músicos, cinco no máximo! Por quê? Porque em Veneza era preciso que as óperas fossem rentáveis. Geralmente, o compositor era ele próprio o empresário. E podia muito bem ser arruinado se o espetáculo não viesse a cobrir os custos, com os gastos com a decoração e os cachês dos cantores. Cavalli foi ele mesmo, a certa altura da vida, um empresário teatral e é o seu casamento com uma mulher rica que lhe permite montar óperas com maiores recursos! Em Veneza, eram montados espetáculos para atrair o
público, enquanto em Roma se dava exatamente o oposto…

Em Roma vigorava a tradição da ópera na corte, como ocorria em Mântua na época de Orfeo?

É por isso que estabeleço uma relação entre o Palazzo Incantato, de Rossi, e o Orfeo, de Monteverdi, assim como com as primeiras óperas de Peri e Caccini. Podemos dizer que é a maior ópera de corte já encenada na Itália.

Mas quando você pediu esta partitura na biblioteca, imagino que já tivesse ouvido falar dela ou lido alguma coisa a seu respeito?

Não, nunca. Pedi partituras do Fundo Chigi. Sabia que havia ali diversas partituras muito importantes de diferentes compositores. De segunda à sexta, pude ver umas trinta obras, de Marazzoli, de Mazzochi, de Luigi Rossi, de Carissimi e de Anerio, um polifonista do Vaticano.

Mas é certo que você era bem jovem na época… Era, então, sobretudo um cravista. Você já tinha interesse em encontrar partituras desconhecidas?

Já em 1999, quando tinha 23 anos, passei duas semanas em Portugal para estudar a música da corte de Lisboa, lendo partituras na Catedral da Ajuda e na Biblioteca Nacional.

Descobrir partituras sempre foi o que motivava minha paixão. Hoje, há muita coisa já digitalizada e é possível ter acesso desde a nossa casa ao Fundo Chigi do Vaticano! Se pude realizar o Prometeo, de Draghi; conhecer a música sacra de Colonna ou descobrir outros compositores é porque a Biblioteca de Viena coloca essas partituras à nossa disposição…

Mas na época, há apenas vinte anos, podíamos ter nas nossas mãos as partituras esquecidas há três séculos e meio, e eu imagino que descobrir uma obra-prima como essa tenha sido uma emoção extraordinária para um músico como você…

Eu me lembro de que eu estava com um amigo romano quando descobri o Palazzo Incantato e que ele me disse que deveria ver pelo menos a colunata de Bernini… Era a primeira vez que eu vinha a Roma e nada tinha visto da cidade. Passamos todo o tempo na biblioteca e para chegar lá não era preciso passar pela Praça de São Pedro. Íamos de moto e me lembro que não tinha cabeça para mais nada a não ser música! (Risos) O que espero, agora, é poder ter acesso à
biblioteca de São João de Latrão e a outras igrejas de Roma, onde gostaria de encontrar talvez –
quem sabe – intermezzos de Claudio Monteverdi esquecidos por lá…

Mas o que gostaria de contar é que, ao pedir os manuscritos Chigi no Vaticano, se tem acesso a tudo o que possuía a família Barberini, que em 1642 acolheu Luigi Rossi como famigliare, ou seja, um empregado, mais exatamente como um músico agregado à casa. Os Barberini se encontravam então no ápice de seu poder, pois Maffeo Barberini havia se tornado o papa Urbano VIII em 1623. Rossi tinha estado durante vinte anos sob as ordens da família Borghese.

Era célebre por suas cantatas, das quais compôs quase 350. A mais famosa foi a Lamento della Regina di Svetia, a respeito da morte em 1632 do rei Gustavo Adolfo II, da Suécia, parodiada por toda a Europa, sobretudo por Francesco Provenzale. Gravei esta paródia na voz da cantora Anne-Sofie Von Otter. Depois, em 2005, em Genebra, com Gabriel Garrido, encenamos o Orfeo, de Rossi, no Conservatório.

Este Orfeo foi encomendado a Rossi por Mazarin em 1646 para, em síntese, introduzir a ópera italiana na França… A primeira ópera italiana apresentada na França foi, creio, La Finta Pazza, de Francesco Sacrati, em 1645…

…Que tinha obtido muito sucesso em sua estreia em Veneza, em 1641, e que nós encenamos em Dijon em 2019 para celebrar os 350 anos da Ópera de Paris. Mas se Mazarin encomenda a Rossi um Orfeo, isso ocorre em seguida ao sucesso de Palazzo Incantato, de 1642, que foi tema de muitos comentários por toda a Europa. Mazarin era, ele próprio, de Roma, e era para ele muito importante que uma ópera romana se tornasse o modelo de ópera na corte francesa.

Não devemos esquecer que o rei Luís XIV, então apenas com sete anos, havia se apaixonado pela música, sobretudo a do balé de Finta Pazza, do qual foram conservados alguns desenhos na Biblioteca Nacional, e que é talvez neste momento que ele decidiu se tornar dançarino, músico, um rei das artes. Veio daí a associação – mais tarde – com Lully, Plaisirs de l’île enchantée, em 1664, e o nascimento de Versalhes…

O Orfeo, de Rossi, será um enorme sucesso na França, mas é preciso compreender que tudo se inscreve, em suma, na continuidade de Palazzo Incantato, que chamou atenção para o compositor pelos recursos inéditos de que lançou mão – jamais igualados – em termos da riqueza da escrita da partitura, ou seja, uma orquestra do dobro do tamanho habitual, com mais de quarenta músicos, um coro triplicado, com 75 vozes, algo inimaginável na época…

…mas que faz lembrar o esplendor das cerimônias religiosas em Roma…

Sim, a relação com a igreja é bastante estreita, mas é preciso levar em conta outro ponto de vista, que as histórias da música talvez tenham ignorado e que me parece muito importante: 1642 é o ano de L’Incoronazione di Poppea. Todos a consideram como a primeira ópera jamais escrita sobre um tema histórico e falam de Pur te miro como o primeiro duo de amor já composto. Poppea data de outubro de 1642. Ora o primeiro duo de amor, que eu saiba, está no Palazzo Incantato, que estreou em fevereiro, cerca de oito meses antes!

…Pur te miro que, diga-se de passagem, não teria sido composto por Monteverdi…

Não. Acreditam que poderia ser de Cavalli ou Ferrari ou Sacrati. Depois da estreia de Finta Pazza, estou quase certo de que seria de Sacrati… Existe em Finta Pazza, de 1641, três ensembles, duos e trios, que se parecem com Pur te miro, que veio a ser apresentada no ano seguinte…

A história da ópera deveria ser reescrita levando em conta a relação entre Veneza e Roma. Sabe-se, por exemplo, que em 1610 Monteverdi pediu para ir a Roma para lá se tornar mestre-de-capela do Vaticano. Essa carta jamais foi respondida, o que os compositores de Roma da época lamentaram bastante, pois todos teriam se beneficiado da sua presença, do prestígio do compositor mais admirado da época. Ele compôs a Vespro della Beata Vergine e uma missa no espírito de Palestrina sem receber a resposta. Tenho a sensação de que Mazzocchi, Marazzoli ou Rossi teriam
gostado que o velho Monteverdi – trinta anos mais velho do que os três – tivesse se unido a eles.

Porém, essa disputa foi ganha por Veneza, que desejava contar sempre com os melhores artistas. Monteverdi tornou-se, então, veneziano.

Voltando ao Palazzo Incantato, os ecos emitidos por esta ópera foram tais que acabaram chegando a Veneza. A obra de Luigi Rossi eclipsou quase tudo o que existia por sua grandeza, seus cenários, seu balé, sua música e por seus recursos! Durante toda a sua vida, Monteverdi teria apreciado poder contar com os meios de que Rossi dispunha em Roma! E o que me leva a pensar – e me dei conta disso bem recentemente – que a escolha de L’Incoronazione di Poppea seria uma resposta de Monteverdi e de seu libretista Busenello ao esplendor de Palazzo Incantato! Nesse
libreto, tenho a impressão de ver Veneza criticando Roma pelo seu luxo e sua imoralidade. Além disso, L’Incoronazione coloca em cena personagens históricos, ainda que – claro – divindades romanas estejam sempre presentes. Ora, Il Palazzo não recorre à mitologia antiga, mas antes à nova mitologia italiana, aquela inventada por Ariosto. Nosso caro Borges dizia que se fosse necessário conservar apenas quatro livros, entre eles estaria Orlando Furioso!

Porém o que vejo com maior clareza mais do que nunca hoje é que as duas obras, Il Palazzo Incantato et L’Incoronazione, estão verdadeiramente unidas. O duo final, Pur ti miro, está relacionado ao duo de amor de Palazzo, que foi muito comentado por toda a Itália. Estranho pensar que antes de 1642 o duo de amor não existia!

Porém, precisamente, há uma outra coisa que descobri e aqui volto à sua observação sobre o elo entre ópera e igreja, e é que Francesco Barberini, o patrão de Rossi, exigiu que esse duo de amor do Palazzo, que abria o terceiro ato, fosse cantado por uma mulher e um homem!

Coisa improvável em Roma, onde todos os papéis femininos eram representados por
castrati?

Sim! Isso, contudo, não impediu que Barberini exigisse que este duo – e apenas este – fosse cantado por uma mulher e um homem. Em suma, ele disse: “Basta! O espetáculo foi encomendado pela minha família; quero uma mulher!”

Porém, mesmo sendo sobrinho de um papa, Urbano VIII, mesmo sendo ele mesmo um cardeal, isso foi impossível.

Seja porque os cantores se recusaram, seja devido ao peso das convenções, não se sabe. Mesmo assim, esse duo
de amor cantado por um castrato, foi motivo de tal escândalo em Roma, que acabou sendo suprimido. E Francesco Barberini ficou tão contrariado pelo episódio que acabou por cancelar as apresentações que estavam acontecendo no palácio da família.

O que poderíamos acrescentar é o fato de que o libretista era ao mesmo tempo um homem de letras e um homem da igreja, Giulio Rospigliosi, que assinara anteriormente o libreto de Sant’Alessio, de Landi. Também ele foi mais tarde nomeado cardeal e, enfim, papa, sob o nome de Clemente IX.

…e é ele que, já nomeado papa, manda reabrir os teatros de ópera que haviam sido fechados em Roma desde o Palazzo Incantato. Depois do fim do reino de Urbano VIII Barberini, os papas que o sucederam, Pamphili, Chigi, mantiveram os teatros fechados.

O que significa que aproximadamente de 1644 até 1667 não houve mais óperas apresentadas em Roma?

Exatamente. Mas podemos imaginar que se este duo tivesse sido cantado por uma mulher, o escândalo teria sido ainda maior.

Estávamos na capital da cristandade e é preciso lembrar que os cantores da Capela Sistina eram castrati…

Além disso, havia entre os intérpretes de Palazzo Incantato cantores da Capela Sistina! Sabemos disso pois conhecemos os nomes de todo o elenco. Por exemplo, se o papel de Bradamante é tão importante e um tanto desproporcional em relação aos outros é porque o seu intérprete original, o castrado Marcantonio Pascalino era muito amigo de Luigi Rossi! Todos os papéis femininos eram assumidos por castrati, sopranos ou mezzos. Ruggiero é um tenor, Astolfo também, Orlando é um barítono… E em seguida há todos os baixos para os cavaleiros errantes. E
os reis, como Gradasso, Sacripante ou Mandricardo, são baixos verdadeiramente profundos.

Quanto a Atlante, é um tenor, mas o personagem assume diferentes formas: em determinado momento se torna um gigante, e é um baixo que assume o papel (risos). E ao lado desse Gigante, há uma pessoa de pequena estatura, como se diz, chamado Nano! E é típico do aspecto cômico da commedia dell’arte também presente nesta obra, pois é em Roma, e não em Veneza, que são pela primeira vez introduzidas cenas cômicas numa ópera. Há igualmente bergamascas (dança e música típica de Bérgamo) que representam a introdução de um elemento de música popular nessa ópera da corte.

Acredito que outra particularidade dessa partitura seja o fato de Rossi nela indicar
absolutamente tudo, não apenas a orquestração, mas também as partes vocais, os ornamentos, as cadências para os cantores e de não deixar espaço para improvisações. Tudo está fixado.

Sim, isso é extraordinário. Desde o prólogo, por exemplo, há uma orquestra de sete vozes, o que é incomum. Há um conjunto de sete instrumentos para acompanhar a Pintura, que é uma das alegorias desse prólogo. Em seguida temos esse extraordinário trecho com um coro triplo, entremeado com instrumentos; temos também, por exemplo, ensembles como o das Ninfas, escrito a seis vozes! Em geral, é tudo em três, as três Graças, sem falar das três Nornas de Wagner, mas em Dijon teremos doze ninfas! Esta riqueza de seis vozes agudas, é inédito! E algo que não foi
nem mesmo imaginado antes por Claudio Monteverdi!

Tudo o que Rossi realiza em termos de ornamentos eu nunca tinha visto antes em nenhuma ópera do século XVII. Ele escreve absolutamente tudo! O que significa que as ênfases e observações são intrínsecos à partitura.

Geralmente, para os italianos, elas são extrínsecas, então há uma nota escrita e podemos improvisar em torno dela. Aqui, tudo está anotado. Por quê? Na minha visão, porque Rossi sabe muito bem que está prestes a escrever uma obra vital e que ele gostaria de ver editada, da mesma forma que Monteverdi editou o seu Orfeo. Rossi deseja entrar
para a história, como Monteverdi. Há uma grande diferença em relação às óperas que virão em seguida, sobretudo em Veneza. Quanto às óperas de Cavalli, felizmente foram todas copiadas por sua mulher, caso contrário, teriam sido perdidas, não teria sobrado nada. A música era considerada como um elemento tão efêmero quanto os cenários, os figurinos ou o maquinário. Aqui vemos que Rossi quer inscrever seu nome na história do desenvolvimento do gênero ópera, fazer parte dessa tradição iniciada por Peri, Caccini – que são de origem romana – e magnificada por Monteverdi.

Além disso, coisa espantosa e pouco conhecida, em 1628 em Roma, Monteverdi escreveu os intermezzos para uma obra intitulada Il Castelo Incantato di Atlante! Tenho certeza de que esta partitura se encontra atualmente num palácio de Roma e este é o meu próximo objetivo! (Risos)

Mas, afinal, ele conseguiu realizar seu objetivo de editar sua obra-prima? O que você teve em mãos na Biblioteca do Vaticano era um documento impresso ou um manuscrito?

Era um manuscrito. Rossi não conseguiu concretizar seu plano, não sei por que, talvez devido ao escândalo; talvez porque um novo papa, Inocêncio X Pamphili, tivesse sido eleito. Em todo caso, o exemplar do Vaticano tinha sido feito por um dos melhores copistas de Roma. É de uma incrível beleza. Tudo é perfeito, sem um erro sequer.

A obra é concebida como se fosse uma espécie de Ring barroco a partir do canto XII de Orlando Furioso. E penso que o Ring wagneriano deve muito a Ariosto. O anel de Angélica está por toda parte em Orlando Furioso, como o dos Nibelungos está presente por toda a tetralogia.

Além disso, a estrutura do Palazzo Incantato, um prólogo seguido de três atos, sete horas de espetáculo se fossem incluídos todos os balés, corresponde à arquitetura do Ring, um prólogo seguido de três dias, com uma duração de quinze ou dezesseis horas. É preciso observar que Rossi não intitula sua ópera de um dramma musicale, mas sim de uma azione teatrale. É a primeira vez que esta fórmula aparece, bem antes de O Sonho de Cipião, de Mozart, ou de Orfeo ed Euridice, de Gluck. Então Rossi não menciona a música. O que o interessa é a obra de arte total. E já no
início o prólogo afirma o seguinte: vemos nele a Pintura prestes a terminar uma tela de um rio sendo interrompida pela Música e pela Poesia, que lhe dizem: “Não sabemos sequer de que vamos falar e você continua a pintar…”. O tom da discussão vai se exaltando até o momento em que a Magia intervém e diz a elas: “Tenham confiança em mim. Sou eu que devo escolher o tema da ópera. Sou eu que darei permissão para vocês entrarem em um outro mundo e vou escolher a história do castelo de Atlante…”

É uma obra aberta, uma obra no interior de outra obra…

É por isso que fazia a comparação com o Ring. Cada um dos três atos é em si mesmo uma ópera. Ao chegar ao fim do primeiro ato, depois de uma hora e quarenta minutos, digo a mim mesmo que ainda faltam o segundo e o terceiro atos… (Risos)

Mas, Leonardo, indo direto ao assunto, a música desta ópera é mesmo bela?

Ah, sim! (Risos) É simplesmente alucinante. O que é para mim formidável é a imensa herança de Caccini, o inventor do recitar cantando, ao qual se soma a enorme admiração de Rossi por Monteverdi. Um dos mais belos manuscritos conservados em Roma do famoso Lamento d’Ariana, de Monteverdi, foi copiado por Luigi Rossi. Monteverdi estava presente por toda parte, era objeto de uma admiração enorme, sua influência, portanto, era muito grande. Mas a isso se soma o arioso, que é uma invenção romana, ao qual também chamamos de mezz’aria, uma criação de Mazzochi. O que é o arioso? É um recitativo que contém uma melodia. E é algo que os franceses vão adorar e que vai contribuir para o sucesso das cantatas de Rossi, que serão interpretadas nos salões.

É possível traçar alguma analogia entre esses ariosos e os recitativos acompanhados de Mozart, por exemplo?

São recitativos cantabili, ou seja, nos quais encontramos uma melodia reconhecível, da qual podemos seguir uma métrica particular. Os recitativos acompanhados de Mozart poderiam ser considerados algo equivalente, porque são recitativos medidos. Isso tem início em Roma por volta de 1626 com uma obra intitulada La Catena d’Adone, de Mazzocchi, muito criticada, sobretudo por Sigismondo d’India por ser um recitativo que se afastava do parlando: “Ele canta o tempo todo”, dizia ele.

Era mais o cantar recitando do que o recitar cantando…

Exatamente! E Sigismondo, o maior discípulo da tradição monteverdiana, não gostava nada disso!

Se entendi bem, o recitar cantando estaria associado a Florença ou Mântua, enquanto o cantar recitando, a Roma?

Sem nenhuma dúvida. E é isso que fará sucesso na França. Por quê? Porque se ela não entende o texto, saberá muito bem se apegar a uma melodia. É o que vai levar em conta Lully; vai sentir que os franceses precisam de uma métrica. Ele vai usar o savoir faire da Itália, o recitar cantando, mas a isso acrescentará a medida, o que irá desaguar na ópera francesa. É um italiano que vai fazer isso. Lully conhece muito bem as obras de Luigi Rossi e de certa maneira, a melodia de Lully é uma melodia herdada mais de Rossi do que dos venezianos.

Em outras palavras, a tragédia lírica francesa tem suas raízes em Rossi?

É claro! E – como eu disse há pouco – o primeiro ato de Palazzo Incantato dura, com o prólogo, uma hora e quarenta minutos! Contudo, a gente não vê o tempo passar. Porque somos conduzidos ao longo de uma linha perfeita do início ao fim e por uma ação teatral. Temos o testemunho de um francês que assistiu à estreia e que diz que os atores falam: era como se eles estivessem falando sobre notas musicais; compreendemos absolutamente tudo, mas há sempre uma bela melodia…

Uma trama orquestral por cima… poderíamos continuar o paralelo com Wagner…

Ah, certamente! De qualquer modo, o leitmotiv foi inventado por Monteverdi! O leitmotiv existe desde Orfeo. Da mesma forma que, desde Orfeo, existem as árias da capo, que não são uma invenção napolitana como se costuma dizer! Em todo caso, o que vemos em Il Palazzo é que Luigi Rossi utiliza toda a sua técnica de compositor de cantatas e de polifonista – pois não devemos esquecer de que ele tinha sido aluno em Nápoles de Jean de Macque, que era um franco-flamengo. Luigi Rossi utiliza o tempo todo a polifonia como condutora da obra, exatamente como
Monteverdi faz em Orfeo.

E é preciso sempre voltar à extraordinária riqueza de recursos que Francesco Barberini oferece a Rossi. Apenas uma única vez Cavalli contará com um mecenas tão opulento: isso acontecerá por ocasião do casamento de Luís XIV, quando ele poderá montar L’Ercole Amante, na enorme Sala das Máquinas das Tulherias, mas isso acontecerá vinte anos mais tarde, em 1662. Gostaria que algum musicólogo se interessasse pelo Palazzo Incantato para descrever toda a sua importância na história da ópera. Imagine que não existe uma edição moderna e que tivemos que – para a montagem em Dijon – transcrever o manuscrito. Monteverdi está editado desde o começo do século XX, se o mesmo tivesse acontecido com Rossi, se os editores alemães tivessem se ocupado dele, há muito que a sua ópera teria sido apresentada. É muito triste para mim que os editores italianos tenham negligenciado uma obra de tamanha qualidade.

Há uma frase de Respigliosi, o libretista, que considero maravilhosa: “O palácio aqui
representado é uma imagem da vida humana, na qual os homens vão – em sua maioria ansiosos – buscar esta felicidade que raramente – ou jamais – chegam a encontrar. O mago Atlante representa o Mundo que, de mil maneiras, seduz e engana”.

Sim, é uma frase de uma inteligência extraordinária, mas de certa forma Rospigliosi presta homenagem a Ariosto, à sua imaginação, a essa invenção de um Palácio Encantado que representa tudo o que o homem gostaria de obter.

Mas isso mostra que ele leu Ariosto em profundidade, que ele foi além do pitoresco ou do  anedótico, que compreendeu a melancolia do poema…

Totalmente. Poderia tomar um exemplo: em determinado momento há duas ninfas que desejam sair do palácio e Atlante lhes diz: “Ok, deixo vocês saírem, mas devem saber que nunca mais serão capazes de sentir o desejo, nem o amor.” – e isso significa muitas coisas. Isso quer dizer que todas as pessoas que entram no palácio carregam com elas realmente um grande desejo, um sonho, uma grande cólera, alguma coisa que elas buscam. Dito de outra forma, significam que são um movimento de vida, uma pulsão. As pessoas sem uma pulsão não entram no palácio, e Atlante sabe bem que todos os seres humanos aspiram a ter uma pulsão e, portanto, desejam entrar no palácio. Este palácio é feito à imagem da vida humana; contém todos os homens conduzidos por seus sonhos, seus afetos.

Um dia, durante os ensaios, me ocorreu um pensamento, a nostalgia de Dom Quixote, e comecei a refletir… Atlante, na minha opinião, se torna Dom Quixote. Ele não tem mais armadura… Ao encontrar os moinhos, ele pensa que são gigantes. Quando vê uma dama caída por terra, acredita que se trata de uma princesa, Bradamante… No texto de Cervantes há frases em italiano extraídas de Orlando Furioso, ditas por Dom Quixote ou por outros personagens, e todo o relato cavalheiresco é uma homenagem a Ariosto. Além disso, Lope de Veja, Quevedo, Góngora – todos eles prestaram homenagem a Orlando Furioso.

E Rospiglisi, em certo momento de sua carreira, é núncio apostólico em Madri, e ele se alimenta da literatura do Século de Ouro espanhol…

Outra coisa: é a primeira vez na história da literatura que uma mulher detém o controle da narrativa e da ação. Bradamante, Angélica ou Marfisa são guerreiras, mulheres que manipulam, que não conhecem limites em seus amores e que se deixam levar pelo desejo. Angélica, com um desembaraço surpreendente, passa de um homem para outro… Estamos muito longe do amor cortês dos trovadores provençais e da Beatriz de Dante… Bradamante decide tudo, é ela que convence Atlante a criar um palácio no qual as pessoas ficarão todas confinadas, ou mesmo aqueles que se amam não terão o direito de se reencontrar.

Há uma frase do diretor da Ópera de Dijon, Laurent Joyeux, que considero precisa em sua concisão, ele diz: “São corações errantes confinados.”

Sim, e é o que estamos vivendo neste momento no mundo, não? O Palazzo faz eco à nossa situação; sentimos isso em todos os ensaios. Para nós, o Palazzo era esse auditório onde estávamos encerrados, isolados do mundo. Quando chegávamos de manhã, atravessávamos uma cidade deserta e, à noite, voltávamos para casa atravessando ruas vazias… É verdade que são corações errantes, que querem alcançar a felicidade, que é o seu motor, e não chegam nunca até ela. Esse palácio é uma imagem da vida e o gênio de Ariosto reside em ter imaginado isso. É por isso que voltou sempre a ele. E o que julgo muito interessante e muito belo é que toda a Itália conhecia essa nova mitologia, a de Ariosto, que substituía aquela da Roma Antiga – todos conheciam os personagens e as relações entre eles. Jorge Luís Borges escreveu um longo poema no qual fez uma síntese de Orlando Furioso. E eu me perguntei se ele não tinha encontrado a ideia para o conto O Aleph em Ariosto. O Palazzo é uma espécie de buraco negro no qual todos se
reencontram, é um Aleph ao estilo de Borges! (Risos)

Creio que a direção de Fabrice Murgia se desenvolve num lugar labiríntico, que se
desconstruiu pouco a pouco, povoado por uma multidão de cantores, de dançarinos, de figurantes, sob o olhar das câmeras de vídeo que tudo filmam e das quais vemos as imagens numa tela suspensa acima do cenário. Em suma, é uma representação de nosso mundo contemporâneo. Além disso tudo, há o fato de que as precauções sanitárias atuais e a ausência do público fazem com que o espetáculo seja objeto de uma gravação e difusão via streaming a partir de 11 de dezembro, data inicialmente prevista para a estreia.

Sim, para nós é vital que exista um registro dessa estreia mundial e uma memória do que conseguimos realizar em vários meses de trabalho. A Ópera de Dijon nos deu a possibilidade de realizar este trabalho, que antecipa as apresentações que faremos no ano que vem em Nancy e Versalhes. Não contar com um público tornou-se, desde março de 2020, algo quase normal, mas estamos aqui dentro sabendo que lá fora existe um público que nos espera.

Justamente, Leonardo, assisti a vários concertos realizados por você neste período de saída do confinamento, em Ambronay ou em Genebra, e em cada um desses lugares vi você no fim se dirigir ao público para lhe dizer o quanto sua presença era importante, que nós todos atravessamos um longo período de silêncio, no qual aquilo de que você mais sentiu falta foi da respiração do público, que esse público era a sua respiração…

E é certo que sentiremos falta da respiração do público. Mas nesse caso esta obra é uma metáfora do que nós estamos vivendo. É quase como se uma dor tivesse se tornado uma forma de arte, como se o poeta e o compositor tivessem imaginado que esta ópera seria apresentada hoje.

Vamos falar do que está acontecendo conosco! Diria mesmo que é a ausência do público que confere sentido a essa obra na qual vemos os personagens comprimidos todos juntos, confinados. Você não imagina que dor está contida ao final de cada ato em que não ouvimos o público aplaudir e se unir ao que se passa no palco. O que guardei das Indes Galantes na Opéra Bastille foram os aplausos intermináveis depois de Sauvages, que quase nos impediu de continuar! Evidentemente que será muito duro aqui termos de aplaudir a nós mesmos!

É claro que é uma grande tristeza, mas a própria obra fala disso, é a verdadeira metáfora de nossas vidas e é lá que se situa a catarse. A obra fala de um palácio que encerra as pessoas, os sonhos, as vidas e as relações entre as pessoas. É a nossa vida atual que colocamos em cena nesta peça desconhecida de três séculos e meio! Talvez Ariosto tenha sido inspirado pelas sucessivas pestes na Itália de sua época para inventar este lugar onde os seres humanos não chegam a se falar.

Então, é claro que é para nós muito doloroso, mas encontramos aqui a possibilidade de gritar! O que é paradoxal é o fato de termos conseguido montar este espetáculo enorme nesse período, era a obra menos indicada num período difícil como esse! É preciso agradecer à vida sobre isso! Será bastante difícil sair deste Palácio Encantado depois da filmagem do espetáculo no dia 5 de dezembro, porque é um mundo de beleza. É uma metáfora da vida, mas também da vida de um artista: as pessoas nos aplaudem, nos felicitam, nos admiram, nos dizem coisas bonitas e, em seguida, na vida real, estamos deitados nas nossas camas, sozinhos, no escuro, e nada temos, como todos os seres humanos. Este palácio é o símbolo de nossa solidão. Aí reside toda a diferença entre Orlando Furioso e Dom Quixote: Dom Quixote perambula pela Espanha, tendo talvez vivido todas as histórias cavalheirescas de Orlando de que ele se lembrava. Quem pode dizer se Dom Quixote é ou não louco? Ele é simplesmente a encarnação dos sonhos dos homens, porque todos nós somos Dom Quixote, todos nós sonhamos com coisas que não são verdadeiras.

Esse Palácio Encantado está de certa forma na nossa imaginação. Às vezes essa imaginação se torna realidade e é na obra de arte que isso se realiza.

Justamente, Leonardo, mencionei no começo este texto que você escreveu na sua página do Facebook no dia seguinte da primeira leitura da partitura. Havia uma segunda parte deste texto, que gostaria de citar aqui, se você permitir:

Acredito que ser artista não é uma escolha, é a realização de um milagre íntimo, secreto, destino imemorável na vida de um ser humano, frágil oferenda ao sopro da vida, desejo voluntário de enfrentar a morte e o tempo. A desolação que nos provoca hoje a dor do mundo, o sofrimento causado pela doença e pelas mortes que nos cercam, só poderá encontrar sua voz na arte, seja hoje, amanhã ou ainda depois, mas não devemos esquecer que apenas a arte se encarregará mais uma vez, quando chegar o momento, de fazer uma síntese da nossa existência. A arte sempre encontrou um caminho para viver porque nós somos a arte. Se nós, seres humanos, somos essenciais, o mesmo vale para a arte. Que todos saibam que nós, artistas, esperamos pelo momento de poder novamente oferecer a vocês nosso alento de coração aberto. Não esqueçam de que vocês, o público, são o ar que nós respiramos. As feridas desses dias logo encontrarão uma voz em todos os teatros do mundo, música e poesia acabarão imbuídas da memória desses dias e dos seres que hoje não estão mais entre nós. Poderemos novamente gritar delicadamente num palco, chorar, gemer, morrer e renascer, acariciar, abraçar, amar.

Imagino que, depois de um mês de ensaios, você esteja mais convencido do que nunca disso…

Sim, mais, muito mais… Isso quase me dá vontade de derramar algumas lágrimas. Fico realmente comovido, de verdade. Foi um sofrimento muito grande este ano para nós, artistas.

Tenho muitos amigos que não conseguem mais pagar o aluguel, nem encher sua geladeira e precisamos estar ao lado deles. É difícil, muito difícil. Com o Cappella Mediterranea procuramos fazer todo o possível para que nossos músicos não caíssem numa situação precária. Devo dizer que admiro enormemente a França, porque meus amigos italianos, espanhóis, sem falar dos ingleses, dos americanos, não têm nada, nada. A França nos deu indenizações, os teatros nos apoiaram até o último minuto. É o país das artes. É difícil para os franceses dizerem isso, mas posso me permitir isso por ser estrangeiro. Tenho realmente uma enorme admiração por esse sistema. Estávamos prestes a montar Alcina na Ópera de Nancy e tivemos de parar após a primeira apresentação, mas os músicos foram pagos por cem por cento das apresentações. Isso é algo ímpar. São as decisões dos diretores das óperas que mostram a que ponto a França respeita os artistas.

Gostaria de dizer o quanto sou agradecido a Laurent Joyeux, o diretor da Ópera de Dijon, por ter mantido – apesar de todas as adversidades – a produção de Palazzo Incantato. É a última ópera da sua gestão aqui, durante a qual deu apoio tanto a estreias de obras do século XX quanto ao repertório barroco. É alguém por quem tenho grande admiração e amizade. Sei que na França pensam – com razão – que só com críticas conseguimos mudanças e progressos, mas quando acontecem coisas positivas também é preciso que chamemos atenção para isso.

Hoje também estou muito emocionado porque nos damos conta de que, quando tudo tiver acabado, caberá a nós, artistas, promover a catarse para que todos possam compreender de maneira racional tudo o que vivemos durante este ano. Acredito que esse confinamento permitiu que redefiníssemos as emoções humanas. Todos nós nos olhamos no espelho e fomos obrigados a dizer quem nós somos. Tivemos de guardar nossos sonhos numa caixinha e dizer: “Bem, ficará para mais tarde.” Se para melhor ou para pior, ainda não sabemos. Mas tivemos de parar o mundo.

Havia uma canção que o meu pai cantava para mim quando era pequeno. Ele não ficava muito tempo comigo, então, quando ele me via pela janela esperando por ele, ele inventou uma canção que se chama Paremos el mundo, “Que o mundo pare”, e essa canção me faz pensar no que vivemos. Tomamos consciência do que é realmente importante, muitas pessoas puderam se reencontrar e ver quem realmente estava ao lado delas, quem realmente contava, a família, os amigos, os que estavam lá. Essa redefinição das emoções humanas serviu para colocar a arte no centro de tudo, a necessidade da arte que os seres humanos sentem, não apenas das imagens e das gravações, mas da arte viva, da sensação de compartilhar a arte para existir. Era vital que sentíssemos isso como uma necessidade. Acredito que estamos vivendo essa convicção íntima – e fico contente por isso. Precisamos do contato humano. O que surge a partir da relação entre dois seres humanos é algo que não pode ser aferido pelos cientistas. O Palácio Encantado quer parar o mundo de uma maneira artificial para que Ruggiero e Bradamante não possam se casar. Atlante quer parar o curso do tempo. É o que estamos vivendo agora, o curso do tempo parece ter se interrompido, mas isso não passa de uma ilusão. Esse período permitiu que compreendêssemos a enorme riqueza que existe à nossa volta. Talvez seja um pensamento utópico da minha parte, mas me parece que compreendemos que o que nos faz viver na realidade, não são as grandes coisas, mas as coisas pequenas, porém essenciais. Fomos colocados diante de um espelho, fomos
confrontados com este Palácio Encantado que terá sido o ano de 2020…